Guerras e revoluções sempre estiveram presentes ao longo da história da humanidade, e para mobilizar — e depois estimular — os soldados ou as multidões, os líderes adotaram símbolos.
Bandeiras e hinos foram os preferidos, sempre associados à figura idealística da Mãe-pátria.
Mas os grandes conflitos escassearam após o fim da Segunda Guerra (1945) e reduziram a necessidade da mobilização centrada no ideal do patriotismo e em seus velhos símbolos.
No entanto, valores culturais e históricos não desaparecem de súbito, e já se observa uma tendência saudosista ao aumento do uso de bandeiras e do hino brasileiro em cerimônias puramente civis.
A novidade está criando confusões, pois as pessoas sem formação militar não sabem como se portar durante a execução da pomposa música.
A postura física do cidadão é o primeiro problema: algumas pessoas perfilam poses tipicamente militares, outras fazem uma pose meramente formal e outras apenas se levantam.
Percebe-se (e ouve-se) claramente que muitos só se levantam porque querem evitar críticas – e a pecha de “antipatriotas” –, mas consideram o ato não obrigatório ou desnecessário.
E uma minoria se mantém sentada, indiferente.
A obrigatoriedade de cantar o hino também gera dúvidas, mas aqueles que querem evitar críticas usam a opção de mexer com os lábios e fingir que está cantando, pois o som da multidão impede o flagrante.
E não saber cantar o hino nacional de cor não é motivo de vergonha: ele é extenso, cheio de palavras em desuso e tem uma construção gramatical complexa. É um constante tema de estudo pelos linguistas.
No dia 20 de maio (2012) tive a oportunidade de observar bem esta insegurança comportamental, que aconteceu pouco antes da realização da principal corrida de cavalos paulista, o Grande Prêmio São Paulo (uma lei local obriga a execução do hino em competições esportivas). Foi o gancho para o presente texto.
Para subsidiar a presente análise, fiz uma ligeira pesquisa, via internet, sobre a legislação e verifiquei que se trata de uma questão mal resolvida, e de consequência mal interpretada.
A lei não é clara; melhor dizendo, o conjunto de leis é confuso, às vezes contraditório, e mal alinhavado.
Encontrei um artigo jurídico, assinado por Gilberto André Borges, intitulado “Legislação sobre o Hino Nacional”; com relação às leis mais abrangentes, de caráter nacional, ele constata que muitas estão em desuso, ou foram alteradas, ou são ignoradas, e ainda assim “na prática, todas estas leis continuam valendo pois nenhuma delas foi expressamente revogada”.
Observei que pululam pelo país projetos de lei estadual ou municipal obrigando a execução do hino, parece até uma onda saudosista que confunde amor ao país com reverência a símbolos.
Mas também encontrei um caso que trafega pela contramão, indício de alguma reação: a Câmara Municipal de Porto Alegre reduziu (em 2011) o uso do hino nacional apenas para os jogos esportivos de caráter internacional e os da Seleção Brasileira.
Em Belo Horizonte, minha origem, segue em tramitação um projeto de lei do vereador Joel Moreira que obriga a execução do Hino Nacional antes do início de todas as atividades esportivas oficiais na capital mineira; o texto prevê que a desobediência acarretará multas de mil a três mil reais e, se houver reincidência, pode causar até a interdição do evento.
Corre o risco de repetir o dualismo marcha-contramarcha da capital gaúcha: se for aprovada, a lei pode causar tantos incômodos que provoque uma campanha de outro vereador para a sua revogação, ou abrandamento.
O Brasil não tem a cultura do acompanhamento da tramitação de projetos de lei nas casas legislativas; o que acontece mais comumente é que a sociedade só toma uma atitude, um posicionamento, quando os efeitos desagradam a uma parcela mais atuante da população.
Inverte a lógica e o racionalismo ao priorizar os efeitos em detrimento das causas.